quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Lacuna cultural em plena era da informação? Como assim?!

S
audações, caros amigos! Este é o espaço no qual pretendo discutir com vocês um curioso fenômeno sócio-cultural que todos nós temos presenciado recentemente: a “volta” do disco de vinil. Pois é, pessoal. Esse assunto tem tomado cada vez mais espaço, mídia a fora, nas discussões sobre música e/ou indústria fonográfica nos últimos dias e despertou em mim, que sou um inxirido no assunto, interesse em trocar idéias na web.
       Antes das provocações, quero deixar claro que sou e sempre fui amante do vinil. Pra mim ele nunca foi embora e, portanto, não está voltando – por isso as devidas aspas no parágrafo acima. Entretanto, essa redescoberta, ou esse recente despertar de interesse pelos discos de vinil, bem como toda essa onda “vintage” que vem a reboque, envolvendo desde o gosto pelas bandas de rock dos anos sessenta, até a moda de roupas e acessórios ditos “retrô”, etc. – nada contra, eu mesmo sou um dos adeptos – me intriga por um fato interessante: Este comportamento é encabeçado, sobretudo, pelos mais jovens, adolescentes mesmo.  Esses garotos e garotas estão ávidos, surfando na onda retrô e ditando ao mercado que responde prontamente com um “novo” produto. E destes, o famoso bolachão é o principal exemplo, o emblema da moda “vintage” do século XXI.
     Isso é mesmo intrigante, não? Como é que algo tão arcaico como um disco de vinil pode voltar a ser objeto de desejo em plena era digital e, sobretudo alvo da apreciação daqueles que, pouquíssimos anos atrás, sequer sabiam da sua existência? Não que isso me incomode. Pelo contrário, fico até contente e torço para que isso ganhe força e se popularize. Mas é que não deixa de ser um fenômeno cultural notável e intrigante. É o analógico triunfando no mundo digital!
      E a minha inquietação persiste e insiste em indagar: Por que muitas pessoas sentem falta do disco de vinil nesses tempos de rapidez e de livre acesso a todo tipo de informação? Hoje, temos tudo ao alcance de um clique no mouse. Será que ficou tudo tão fácil que se tornou descartável e perdeu a graça? Fica difícil entender, pois vinil dá trabalho, meu amigo, e todo mundo tem pressa nos dias de hoje! Ele ocupa mais espaço, pesa bem mais que um CD, tem que virar o lado, tem que lavar, tem que limpar a agulha do toca discos... Enfim, que diabos vai fazer alguém sentir saudades ou, no caso das novas gerações – o que é ainda mais curioso –, sentir aquela curiosidade de conhecer a maravilhosa novidade velha? Afinal, que lacuna é essa que o século XXI plantou em nós?
     É certo que há considerações técnicas importantes a se fazer a favor do vinil, a começar pelo já comprovado som mais cheio, digamos assim, ou mais encorpado, com maiores amplitudes de som, tanto nos graves, quanto nos agudos. Já o som do CD é limpo, sem o indesejado chiado das agulhas – indesejado só para alguns, diga-se de passagem –, porém comprimido demais para os audiófilos. E também, outro ponto a favor da bolacha é o fato de ter uma leitura analógica, a qual, na minha modesta e passional opinião, nenhum sistema de reprodução digital, binário, sem contato direto com a mídia, irá superar a fidelidade de uma boa agulha de diamante pressionada sobre os sulcos de um disco de vinil. Mas, apesar destes detalhes técnicos, que só impressionam os audiófilos como este que vos escreve, o vinil requer o que, para muitos hoje em dia, é algo difícil de dar: paciência. Me pego admirado ao ver, justamente a molecada, sempre tão frenética em tudo que faz, correndo atrás dos velhos LPs, na internet e até nos sebos que, outrora, eram apenas pequenos redutos onde só circulavam colecionadores saudosos de meia idade ou pesquisadores de música. Enfim, só os mais obcecados.
       Percebo então que tenho perdido, paulatinamente, o meu status de excêntrico apreciador do vinil – o que não me incomoda nem um pouco, aliás. Mas é visível uma lacuna cultural na era da informação e esse interesse dos jovens pelo vinil me parece algo sintomático. É algo que vai além da indústria fonográfica e de suas tentativas de desviar-se da pirataria. Estamos diante de um verdadeiro fenômeno sócio-cultural, em que o disco de vinil é apenas o símbolo. Ele chega ao século XXI com uma qualidade sonora – e gráfica – que impressiona e na cômoda posição de artigo retrô. Nada mal, não? Representa hoje, no Brasil, um nicho cultural respeitável, que já vende muito melhor do que o já idoso CD – vejam só que loucura! – e parece ter vindo pra ficar e se firmar na condição de nicho mesmo, sem a pretensão de tomar o espaço de outras mídias.
      Talvez estejamos testemunhando algo maior do que esse simples e curioso fenômeno de resgate de uma velha mídia fonográfica. Talvez o resgate verdadeiro não seja do disco, da mídia pela mídia, e sim de velhos hábitos. Ora, mas por que a sociedade contemporânea – tão bem resolvida, conectada a tudo – sentiria falta de velhos hábitos? Seria um sintoma pós-moderno? Vamos discutir!